Nem só de vitórias se faz o orgulho de um clube. Há empates memoráveis. Um deles aconteceu em 1919, quando o Pelotas arrancou um empate heroico com a Seleção da Argentina, em uma grande partida de futebol, onde exibiu-se o brilho de um dos grandes arqueiros que passaram pelo clube, o lendário Tuffy, que anos mais tarde seria o titular da Seleção Brasileira e considerado o melhor goleiro do país.
A forte Seleção Argentina vinha do Rio de Janeiro, onde havia disputado o Campeonato Sul-Americano. Após ser derrotada no dia 13 de maio, por 3 a 2 pela Seleção Uruguaia, e no dia 18 de maio, por 3 a 1 para a Seleção Brasileira, a Seleção Argentina venceu no dia 22 do mesmo mês, a Seleção do Chile por 4 a 1. Com esses resultados, os Argentinos terminaram a competição continental na terceira colocação.
12/06/1919 – Pelotas 0x0 Seleção Argentina – Estádio da Avenida, atual Boca do Lobo.
Abaixo a matéria do jornal Diário Popular ao dia seguinte da partida.
Recepção e o Jogo:
“Os portenhos tiveram aqui calorosa recepção na Estação da Viação Férrea, sendo, inclusive, recebidos na Intendência Municipal pelo Cel. Guilherme Echenique, vice-intendente em exercício. Rumando dali a missão e os jogadores para o campo do Sport Club Pelotas, onde se realizou o jogo.
Os jogadores Argentinos mais destacados no Sul-Americano foram Calomino, Matozzi, Castagnola e Laiolo, e todos eles jogaram aqui frente ao SC Pelotas. O jogo foi sensacional e já aos 6 minutos o juiz Laport, da missão visitante, punia o SC Pelotas com uma penalidade máxima, que foi chutada para fora. E com o escore em branco finalizou o primeiro tempo, sendo as equipes muito aplaudidas pelo público. No segundo tempo, o SC Pelotas enfrentou até com vantagem o Scratch Argentino, integrado dos maiores expoentes do Futebol Porteño. E foi justamente num momento de pressão ao golo Argentino que Laiolo, aproveitando uma rebatida de sua defesa, recebeu a bola livre de marcação e, em posição duvidosa, fuzilou Tuffy aos 28 minutos, assinalando o gol que foi anulado pela organização do evento. O jogo continuou sendo disputado sempre com lances sensacionais até o apito final, terminando o confronto em zero a zero .”
Comemorações:
Á noite o SC Pelotas ofereceu um jantar à missão e jogadores visitantes no Hotel Aliança, local onde está hoje a Galeria Zabaleta, e muitas críticas foram feitas ao Juiz Argentino Laport, pela maneira parcial como se houve.
Destaques:
Diário Popular – 04/07/1919
“O resultado alcançado pelo Pelotas tornou-se, assim, a mais prestigiosa credencial para os elementos sportivos tanto da localidade como do estado, e dali, a surpresa e admiração causadas nos meios Cariocas e Paulistas, pelo brilhante score da eleven Pelotense.
O Rio Grande do Sul por essa extraordinária atuação do Sport Club Pelotas contra os Argentinos, inscreveu-se com não menor brilho ao lado do Rio e São Paulo nos fatos de história do Campeonato Sul-Americano de 1919.
Tornam-se assim, de fato da maior justiça, tributo aos heróis do dia 12 de Junho, a essa galharda mocidade que compôs o quadro do S.C.Pelotas.”
Homenagens aos Heróis do dia 12 de Junho:
No Domingo, 6 de Julho, a Cidade em festa comemorou no estádio do SC Pelotas o grande resultado de zero a zero contra a poderosa Seleção Argentina. Foram entregues medalhas de ouro aos jogadores do Áureo Cerúleo, no intervalo do jogo amistoso contra o Rio Branco, pelo memorável feito alcançado. Tendo o Dr. Bruno Lima saudado os jogadores e o SC Pelotas na oportunidade. Um quadro com os jogadores do SC Pelotas foi exposto na Casa Carioca, no centro da cidade, registrando o escore do jogo com os Argentinos em zero a zero.
Diário Popular – 08/07/1919 – Terça-Feira
Pelotas 0x0 Seleção Argentina
Ficha Técnica:
Local: Estádio da Avenida (Atual Boca do Lobo)
Data: 12/06/1919 – Quinta-Feira
Motivo: Amistoso Internacional
Pelotas: Tuffy, Roberto Stephan, Varella, Ítalo, Dorval Miranda, Quincas Vieira, Álvaro Pereira, Lourinho, Carlos Viola, Beto Ferreira e Loureiro de Souza.
Seleção Argentina: Barcas, Castagnola e Uslenghi, Cilley, Matozzi e Martinez, Calomino, Laiolo, Martin, Izaguirre e Perinetti.
Arbitro: Laporte.
Estiveram presentes nas tribunas o Presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol, Hector Gómez, toda a chefia da delegação Argentina, jornais portenhos que haviam acompanhado a Argentina na Copa Sul-Americana realizada no Rio de Janeiro entre outras autoridades.
Pôster Comemorativo – Esporte Clube Pelotas
Quem eram os Argentinos que enfrentaram o Pelotas em 1919:
Barcas – na verdade seria A. Barcos, conforme link do RSSSF relativo àquela Copa América (http://www.rsssf.com/tables/19safull.html). Era do Estudiantes e como não jogou pela seleção contra outro país, não consta no livro de Macías, que só considerou jogos oficiais contra outras seleções.
Roberto Castagnola – parrudo beque do Racing, que naquele ano seria hepta argentino seguido, até hoje um recorde no país: http://www.futebolportenho.com.br/2014/12/15/95-anos-do-unico-heptacampeonato-argentino-foi-do-racing/
Eduardo Uslenghi – jogava no Porteño, clube campeão em 1912 e em 1914 que passaria a dedicar-se ao rúgbi, embora hoje esteja na quarta divisão. Defendeu a seleção entre 1919 e 1921 (já como jogador do extinto Sportivo Palermo), mas sem se firmar.
Cilley – o link do RSSSF acima fala que quem competiu na Copa América foi “Juan Germán Cilley”, mas o livro do Macías só menciona “Luis Cilley”, também como jogador de 1919. Ainda que sejam diferentes pessoas, eram do mesmo clube, o San Isidro, que como o Porteño se dedicaria ao rúgbi argentino, mas com muito mais êxito. A cidade de mesmo nome é a capital argentina da bola oval, e seus dois clubes são os maiores campeões: o CASI e o SIC, ambos derivados desse San Isidro. A família Cilley de fato se associou ao rúgbi e outro membro dela, José, foi o pontuador máximo da seleção argentina na Copa de 1995: http://www.futebolportenho.com.br/2011/10/11/futebol-e-rugby-parte-7-san-isidro/
Ernesto Matozzi – nome fixo da seleção por sete anos, entre 1916 e 1923. Era do Estudiantil Porteño, sendo exatamente o jogador mais usado pela Argentina vindo dali – o clube ainda existe mas desativou o futebol competitivo nos anos 30, com a chegada do profissionalismo (foi justamente o último campeão argentino amador, em 1934)
Pedro Martínez – primeiro jogador do Huracán na seleção argentina, sendo naturalmente um dos emblemas da era amadora do clube, a mais vitoriosa dele.
Pedro Calomino – Calomino era na realidade o sobrenome da família que o adotara, ele se chamava Bleo Pedro Fournol. Uma das maiores figuras do amadorismo argentino, a ponto de defender a seleção por doze anos, vindo primeiro do Argentino de Quilmes (primeiro clube argentino formado por não-britânicos, hoje na quinta divisão) e depois pelo Boca, pelo qual integraria naquele mesmo 1919 a primeira campanha campeã nacional dos auriazuis. Chegou a ter até 1945 o recorde de jogos pela Argentina, 38. É o segundo que mais jogou por ela vindo do Boca, 36. Descrito como o pai da pedalada, ou “bicicleta”, como chamam os argentinos para a jogada do Robinho: http://www.futebolportenho.com.br/2013/04/13/ha-100-anos-o-boca-estreava-na-1a-divisao/
José Laiolo – revelado no Rosario Central, estava no River Plate naquela época, o que era um certo feito: os millonarios, maiores campeões da elite argentina, ainda não haviam chegado ao primeiro título. Que viria exatamente no ano seguinte, com Laiolo no time. Antes, marcou um gol no Brasil em um 3-3 naquele 1919.
Alfredo Martín – versátil jogador que podia atuar em qualquer dos cinco postos de ataque da época, era do Boca. Dos jogadores dos anos 10, só ele, Calomino e o goleiro Américo Tesoriere foram considerados pela revista El Gráfico entre os cem maiores ídolos do clube, em 2010.
Carlos Izaguirre – jogador ambidestro que, como Uslenghi, atuava no Porteño e depois no Sportivo Palermo. Mas fez história: autor de dois gols nos 3-0 do primeiro Brasil x Argentina da história, em 1914: http://www.futebolportenho.com.br/2014/09/20/primeiro-duelo-brasil-x-argentina-faz-100-anos-hoje/
Juan Perinetti – uma das maiores figuras do Racing, esteve em todo aquele hepta argentino seguido. Também foi importante no hoje sumido Talleres de Remedios de Escalada, do qual foi presidente. Era apelidado de “Llorón” por chorar sempre que perdia: http://www.futebolportenho.com.br/2011/12/23/familiares-na-selecao-argentina-parte-3-irmaos-1/
Os dados dos atletas Argentinos foram enviados pelo site Futebol Porteno
Pesquisa: Fred Mendes
Fontes: Jornal Diário Popular, O Futebol em Pelotas e Revista 90 anos do E.C.Pelotas.
MATÉRIA DA REVISTA SÉRIE Z
Para conferir a Revista Completa na Revista Série Z, basta acessar o link: https://issuu.com/seriezrevista/docs/seriez7
2 comentários
Prezado Fred Mendes, parabéns pelo belo trabalho de resgate do nosso Lobão! Por gentileza, poderias fazer uma matéria sobre o time de 1911, que foi aclamado campeão estadual pelos demais clubes (ainda que à época não existisse uma federação)? Muito obrigado pela atenção. Um abraço!
Bom dia Márcio, em breve iremos postar uma matéria especial sobre essa conquista. Abraço e Saudações