Pelotas vs São José, e a primeira viagem de avião da história do futebol mundial, reconhecido pela FIFA

A história do Pelotas é rica em fatos marcantes e importantes, não somente para o clube, mas também para o futebol. E em meio a tantos fatos relevantes, hoje vamos relembrar um deles, sobre a primeira viagem de avião de um clube de futebol para uma disputa dentro das quatro linhas. Trata-se do confronto entre Pelotas e São José de Porto Alegre, disputada na temporada de 1927, no Estádio Boca do Lobo.

A VIAGEM

Em uma manhã fria e chuvosa de domingo, mais precisamente no dia 5 de junho de 1927, o elenco do São José de Porto Alegre embarcava no hidroavião Dornier Do J Wal “Atlantico”, da Varig, para uma viagem histórica. Era a primeira vez no mundo, que uma delegação de um clube de futebol viajava de avião para disputar uma partida. O feito foi reconhecido pela FIFA em 1992, e está registrado nos arquivos da entidade.

O voo, com duas horas e meia de duração, foi entre Porto Alegre e Pelotas, onde Pelotas e São José jogaram uma partida amistosa. O embarque dos passageiros ocorreu na Ilha Grande dos Marinheiros, às margens do Rio Guaíba, na capital gaúcha.

Antes da decolagem, porém, houve preocupação por parte do comandante Rudolf Cramer von Clausbruch, em relação às condições meteorológicas e também ao peso de decolagem da aeronave. A Varig havia solicitado, antecipadamente, que o clube informasse o peso exato dos passageiros. Porém, no dia do voo, todos carregavam pesados casacos de lã, devido ao clima frio, o que causou excesso de peso. Além disso, a aeronave possuía capacidade para apenas nove passageiros. Por esse motivo, o goleiro Alberto Moreira Haanzel, conhecido como “Bagre”, e Antônio Pedro Netto tiveram que viajar no compartimento de bagagens, algo impensável nos dias de hoje.

Na cabine de passageiros, sentados em “confortáveis” poltronas feitas de vime, e com os ouvidos devidamente protegidos do barulho ensurdecedor produzido pelos motores por pedaços de algodão que eram distribuídos antes de cada voo, viajaram os jogadores Álvaro Kessler, Dirceu Silva, Alfredo Cezaro (Pinho), César Cezaro, João Nicanor Leite (Nona), Clóvis Carneiro Cunha e Walter Raabe, além de Carlos Albino Müller Pires, chefe da delegação, e Moisés Antunes da Cunha, secretário do clube.

Antes do embarque, o então presidente do Esporte Clube São José, Waldemar Zapp, pediu para que fosse feita uma foto do grupo, junto à aeronave, para guardar como recordação, caso ocorresse uma tragédia. Na foto, mais uma curiosidade. Antônio Pedro Netto, aparece com um fardo entre as pernas. Eram 30 exemplares do Jornal Correio do Povo, que ele estava levando para vender no local do jogo. A explicação é que, naquela época, os jornais de sábado da capital chegavam à Pelotas apenas na quarta-feira seguinte. Mas levando-os de avião, o esperto Antônio pôde vendê-los já no domingo, ganhando dinheiro suficiente para o pagamento do jantar após a partida.

Equipe do São José no hidroavião da Varig momentos antes do voo para Pelotas

João Leal da Silva, tesoureiro do clube, viajou dois dias antes, de vapor (navio), para acertar os detalhes da partida e da estada em Pelotas, acompanhado pelos jogadores Odorico Monteiro, Benedito e Fritz Waldemar Kinnemann (Berlina). Os quatro voltaram para Porto Alegre a bordo do hidroavião da Varig, ocupando os lugares de outros quatro passageiros que retornaram de vapor.

 

ANUNCIO DO JOGO E A CHEGADA DO SÃO JOSÉ A PELOTAS

São José de Porto Alegre
vs
Sport Club Pelotas

São esperados amanhã, a bordo do Hydro Ypiranga, os guapos componentes do 1º quadro do São José, Zequinhas, como são conhecidos e tratados na capital do estado, que aqui enfrentarão o onze do Sport Club Pelotas.

A chegada do Hydro está marcada para as 11 horas, fazendo-se o desembarque na rampa do Clube de Natação e Regatas Pelotense. Ali serão os visitantes recebidos por uma comissão do Pelotas, assim organizada:

João Mendonça, Lydio Alves Pereira, Frederico Azevedo e João Cruz Trapaga. A partida terá logar as 14 horas na luxuosa sede do S.C. Pelotas, na Avenida Bento Gonçalvez, e será abrilhantada por uma banda de música.

Dado o valor da esquadra visitante e as condições de treino do clube local, é de esperar-se uma magnifica partida.

PRESIDENTE DO SÃO JOSÉ EM PELOTAS

Está nesta cidade, desde ontem, Moysés Cunha, membro da diretoria do Clube São José, em companhia de alguns jogadores suplentes, que vem fazendo parte da missão daquele clube que é esperada amanhã.

 

Estádio Boca do Lobo, palco do confronto entre Pelotas e São José

 

O JOGO

São José 2×2 Pelotas

O São José, Zequinha, de Porto Alegre, em um jogo limpo, empatou honrosamente com o S.C. Pelotas.

Perante uma grande assistência, ávida por conhecer o jogo dos Zequinhas, que vinham precedidos de boa fama, realizou-se ontem, o anunciado encontro inter-municipal, enfrentando-se com o veterano local, o móvel quadro do São José.

O jogo teve logar na luxuosa praça de desportos do Pelotas, e decorreu sob uma atmosfera vibrante e entusiástica. Na hora marcada, o Tenente Duarte, do 9º regimento, o arbitro, chamava a postos os jogadores, tomando as seguintes posições:

São José: Bagre, Zulphe e Berlina, Alfredo, Pinho e Clóvis, Dirceu, Odorico, Netinho, Nona e Kessler.
Pelotas: Bordini, Talavera e Borches, Calero, Beto e Floriano, Torres, Tutú, Cabelli, Mário Reis e Dinarte.

De saída, os visitantes fizeram forte carga no campo do Pelotas, levando a pelota, em bela combinação, a meta pelotense, cuja defesa foi obrigada a intervir, aliás, com muita inteligência.

E com essas cargas desde logo a assistência, que acreditava ser a esquadra porto-alegrense fraca e fácil de ser subjugada, modificou sua opinião e esperou, anciosa, o desenrolar do jogo.

Ao passo que isso acontecia para com os Zequinhas, a impressão causada pelo onze do Pelotas aquém do esperado, foi simplesmente deplorável, pois o veterano estava atuando pessimamente, sem que seu jogo melhorasse no decurso de todo o tempo regulamentar.
E se não fosse a feliz atuação do triangulo, principalmente dos zagueiros Talavera e Borches, o veterano teria sofrido uma pavorosa derrota.

Muito coperou para esse fracasso a nenhuma eficiência dos dianteiros locais, que sempre agiram tardiamente e desarticulados.

Dessa má organização, o quadro visitante tirou boa e inteligente vantagem. Apareceu no centro dos dianteiros locais, o velho jogador Cabelli, de saudosa memória, e por cuja aquisição não felicitamos nem o quadro do Pelotas, nem o futebol local, que, para retomar a sua antiga posição, dispensa vantajosamente o concurso de jogadores estranhos ao seu meio.

E a prova de nossa opinião está em que o onze do Pelotas, jogou ontem, a sua pior partida da atual temporada desportiva.

1º GOL DA PARTIDA: PELOTAS 1×0

No decorrer do 1º tempo, Mário Reis aproveitou uma boa centrada de Torres, e marcou um belo gol para o seu quadro. Esse feito foi justamente aplaudido. E com essa diferença a favor do Pelotas, terminou o 1º tempo.

O EMPATE DO SÃO JOSÉ: 1×1

Na segunda fase do jogo não houve melhoria digna de registro. E aos 5 minutos, Nona, o veloz meia esquerda dos visitantes, empatava magnificamente a partida. O primeiro gol do Zequinha também foi muito ovacionado pela torcida.

PELOTAS NA FRENTE: 2×1

Aos 35 minutos Tutú, de cabeça, em uma intervenção magistral, aproveita uma centrada de Dinarte e marco o 2º gol do Pelotas.

TUDO IGUAL NOVAMENTE: 2×2

E logo em seguida, aos 37 minutos, Dirceu, o ágil ponta direita dos visitantes, conseguiu, em um tiro rasteiro, fazer o 2º gol para o seu quadro, empatando novamente a partida. E sem maiores registros, terminou o lindo jogo intermunicipal, com um honroso empate.

RESUMO

A impressão deixada pelos Zequinhas foi boa, pois o seu quadro é homogêneo e ardoroso. Esta ultima qualidade evidenciaram de sobejo na prova de ontem. Notamos ausência de remates, o que em muito prejudicou a contagem dos gols.

O Pelotas, como dissemos acima, atuou desarticuladamente e sem eficiência alguma. A má organização, com Torres na ponta direita, em muito coperou para o seu fracasso técnico.

O ARBITRO

Tenente Teté Duarte agiu bem, com muito critério e competência, e sobretudo com a máxima imparcialidade. O que registramos com muita satisfação. Incontestavelmente.

A VIAGEM

A nota sensacional de ontem, foi a viagem em hydro feita em 1 ½ horas de Porto Alegre a está cidade. Hoje pelo mesmo Atlantico, regressou a missão visitante, que aqui foi muito festejada.

 

Abaixo dois registros do Clube de Natação e Regatas Pelotense nas décadas de 10 e 20, local onde pousou o Hydro com a delegação do São José.

Clube de Natação e Regatas Pelotense em 1914. Local onde pousou o Hydro com a delegação do São José

Clube de Natação e Regatas Pelotense na década de 20. Local onde pousou o Hydro com a delegação do São José

Atual fachada do Clube de Natação e Regatas Pelotense

Vista aérea do Clube de Natação e Regatas Pelotense.

 

FICHA TÉCNICA

Pelotas 2×2 São José-POA
Data: 05/06/1927
Local: Estádio Boca do Lobo
Motivo: Amistoso
Pelotas: Bordini, Talavera, Borches, Calero, Beto, Floriano, Torres, Tutú, Cabelli, Mário Reis e Dinarte.
São José: Bagre, Raabe, Dirceu, Cesaro, Pinho, Alfredo, Netto, Odorico, Leite, Nona e Kesller.
Árbitro: Teté Duarte.
Gols: Mário Reis e Tutú (Pelotas), Odorico e Nona (SJ).
São José: Bagre, Zulphe e Berlina, Alfredo, Pinho e Clóvis, Dirceu, Odorico, Netinho, Nona e Kessler.
Pelotas: Bordini, Talavera e Borches, Calero, Beto e Floriano, Torres, Tutú, Cabelli, Mário Reis e Dinarte.

 

Pesquisa: Fred Mendes
Fontes:
Matéria do Jornal A Opinião Publica
Texto da Página Falando de Aviação

 

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