Da Boca para o mundo: Bedeuzinho

Uma das mais conturbadas histórias vividas por um jogador Áureo-Cerúleo foi a de Ari Amaro Pires, conhecido como Bedeu, ou ainda Bedeuzinho.

Ponteiro direito de drible fácil, que entortava seus marcadores. Domínio de bola perfeito, velocidade, ginga, batia com extrema facilidade na bola e colocava-a onde queria. Surgiu no time principal do Esporte Clube Pelotas em 1952, onde nos anos anteriores já fazia parte dos times de base. No final de 1961, se transferiu para o Internacional, onde atuou até 1963. Vestiu ainda as camisas Metropol (atual Criciúma),  Cólon Santa Fé (da Argentina), e já em final de carreira, no Bagé e no Guarany. Pelo Pelotas, clube onde mais tempo jogou, foi Tri-Campeão da Zona Sul em 1953, 1954 e 1955, Tri-Campeão Regional em 1956, 1958 e 1960, Tetra Campeão Citadino em 1956, 1957, 1958 e 1960, Campeão da Copa dos Campeões de 1957, Campeão da Copa Genuíno Ferreira em 1960, Vice-Campeão Gaúcho em 1956 e 1960, e destaque na campanha invicta do Pelotas no Festival do Cinquentenário de 1958. 

Bedeuzinho, o craque Áureo-Cerúleo que defendeu o clube por 15 anos, sendo 12 no profissional e 3 na base

O começo

Bedeuzinho nasceu em 3 de janeiro de 1935, em Herval. Começou a atuar no cenário futebolístico no Pelotas, com 14 anos em 1949, como ponta esquerda. Foi destaque na base do Lobão, onde já demonstrava sua genialidade. Em 1952, com 17 anos, já no time principal, surpreendeu jogando pela direita, reforçando a certeza de que havia nele qualidades de um jogador diferenciado, cheio de breque e malícia. 

Estreia com vitória e gol

E no dia 18 de maio de 1952, Bedeuzinho fazia sua primeira aparição no time principal do Pelotas, no confronto contra o Riograndense de Rio Grande, na Boca do Lobo. Na vitória Áureo-Cerúlea por 4 a 3, Bedeu entrou no segundo tempo, no lugar de Elídio, e marcou o ultimo gol do Pelotas na partida, aos 36 minutos. O técnico responsável pela primeira oportunidade foi Gastão Gomes Leal. 

O primeiro Far-Pel

No dia 13 de setembro de 1953, Bedeuzinho fazia seu primeiro clássico diante do Farroupilha. Na vitória por 8 a 2, Bedeu marcou seus primeiros dois gol diante do rival Fragatense. 

O primeiro Bra-Pel

Já em sua primeira temporada no time principal, Bedeuzinho demonstrou que não seria apenas mais um. Conquistou a titularidade e já em em seu primeiro clássico Bra-Pel, disputado no dia 30 de agosto de 1953, deixou sua marca. Na vitória Áureo-Cerúlea por 4 a 2, Bedeu anotou seus dois primeiros gols no clássico diante do maior rival. Era o inicio de uma era na Boca do Lobo. Ali nascia um ídolo.

Bedeu antes de um clássico Bra-Pel. O Brasil foi a vitima preferida do ponteiro Áureo-Cerúleo.

 

A primeira Taça

Ainda em 1953, ano em que Bedeuzinho se firmou com a camisa Áureo-Cerúlea, veio o primeiro título. Na disputa do Quadrangular Zona Sul, que contou com Pelotas, Brasil de Pelotas, São Paulo de Rio Grande e Rio Grande, o Lobão conquistou o título de maneira invicta.

Campeão Pelotense de 1956

Após algumas temporadas sem levantar a taça da cidade, em 1956 o Pelotas formou um elenco forte, e em uma campanha arrasadora, sagrou-se campeão citadino de forma invicta. Em 6 confrontos foram 5 vitórias e 1 empate. O Pelotas marcou 15 gols e sofreu apenas 3. Bedeuzinho deixou sua marca, sendo uma das grandes figuras do Pelotas na competição.

Campeão Regional e Vice Campeão Gaúcho em 1956

O ano foi incrível, e o Pelotas acumulava vitórias e conquistas. O torcedor viveu grandes momentos, e aquela equipe deixava para sempre sua marca no coração dos Áureo-Cerúleos. No regional, que dava vaga nas finais do Campeonato Gaúcho, o Pelotas seguiu impiedoso com seus adversários. Em 14 partidas, o Pelotas venceu 10, empatou 2 e perdeu apenas 2 partidas, sagrando-se campeão de forma incontestável, e Bedeu novamente um dos destaques do Lobão.

Após o título citadino e regional, o Pelotas se credenciava para a disputa da fase final do Campeonato Gaúcho. Nas semi-finais, em confronto contra o Cruzeiro-SG, duas vitória e vaga garantida na finalíssima, diante do Grêmio, terminando o Pelotas, com o vice campeonato.  Foi a primeira final de Campeonato Gaúcho na carreira de Bedeuzinho.

Bi da Cidade em 1957

No citadino, dessa vez mais equilibrado, o Pelotas sagrou-se campeão ao vencer 5 partidas, empatar 3 e perder outras 3. Em jogos emocionantes, Bedeu fez a diferença, e o título veio após o Pelotas vencer o clássico Bra-Pel por 2 a 1.

Campeão da Copa dos Campeões de 1957

Disputada no primeiro semestre de 1958, o Pelotas entrava na competição abalizado pela conquista do citadino, onde enfrentaria os campeões de outras regiões, dentre eles o então vice campeão gaúcho, Bagé. Em 8 partidas, o Lobão alcançou 7 vitórias e foi abatido em apenas 1, sagrando assim o Campeão dos Campeões. Bedeu foi novamente o destaque do time dirigido pelo técnico Galego. 

A Saga de Conquistas não tinha fim: Tri-Campeão de 1958

Em mais uma campeonato muito disputado, o Pelotas buscava de forma obcecada a conquista do Tri-Campeonato no ano em que comemorava o seu Cinquentenário. E em 10 confrontos, venceu 4 partidas, empatou 5 e perdeu apenas 1 jogo. Assim o Pelotas e Bedeu, conquistaram o título inédito, pois de todos os clubes do país, apenas o Pelotas conseguiria a façanha de conquistar o título da cidade nas comemorações de seus 50 anos.

Time tri-campeão da cidade em 1956, 1957 e 1958: Bedeu é o segundo, na fileira de baixo, da esquerda para a direita.

 

Destaque do Festival do Cinquentenário

Bedeu, já multi-campeão com o Manto Áureo-Cerúleo, teria pela frente grandes adversários durante o Festival, onde seria colocado em cheque sua categoria. Em confrontos contra Gimnasia de La Plata, da Argentina, Rampla Juniors do Uruguai, São Paulo, Fluminense e Internacional, o Áureo-Cerúleo obteve 3 vitórias e 2 empates, e Bedeu consagrou-se de vez como um dos maiores atacantes do futebol gaúcho, sendo assediado por inúmeros grandes clubes do futebol nacional e até mesmo internacionais. 

Festa do Cinquentenário: Deraldo, Bedeu, Duarte e Nei Silva

Passagem relâmpago pelo Floriano, de Novo Hamburgo

Em1959 o Pelotas acabou emprestando Bedeuzinho para o Floriano (atual Novo Hamburgo), e acabou pagando caro, com a perca da hegemonia da cidade.

Retorno ao Pelotas

Em Novo Hamburgo, após dois jogos amistosos, Bedeu sofreu uma grave lesão e acabou não atuando em jogos oficiais. Assim, pediu para retornar ao Pelotas, onde se recuperou da lesão, voltando aos gramados, para defender o clube que tanto amava.

Copa Genuíno Ferreira de 1960

Em dois confrontos durissímos diante do Gremio, que acumulava quatro títulos estaduais consecutivos, Bedeu teria a missão de comandar o ataque Áureo-Cerúleo, diante do zagueiro Airton Pavilhão, um dos maiores defensores do futebol Brasileiro daquele época. E após empatar em 2 a 2 no Estádio Olímpico, com Bedeuzinho marcando o primeiro gol do Pelotas, o Pelotas acabou vencendo o jogo da volta, na Boca do Lobo, por 3 a 1, com outro gol anotado por Bedeu, e sagrou-se campeão da competição, e Bedeu o artilheiro. 

Campeão Citadino, Regional e Vice Campeão Gaúcho

Seguindo a temporada após a conquista da Copa Genuino Ferreira, o Pelotas de Bedeuzinho manteve o. ritmo arrasador ao conquistar mais um título da cidade, quando em 9 partidas, o Pelotas venceu 7 e perdeu apenas 2 partidas. Bedeu mais uma vez foi o responsável pela otíma produção ofensiva do Pelotas na competição, marcando gols importantes nos clássicos. 

Empate contra o Flamengo e Vitória sobre o Bahia

No dia 16 de outubro de 1960, o Pelotas recebia na Boca do Lobo, durante as comemorações de seus 52 anos, o forte e tradicional time do Flamengo. E em um jogo histórico que terminou empatado em 1 a 1, Bedeu não deu descanso para a defesa carioca, sendo um dos destaques da partida e muito elogiado pela cronica do centro do país. Meses após o confronto contra o Flamengo, foi a vez do Pelotas receber em seus domínios, o consagrado esquadrão do Bahia, campeão nacional de 1959. E novamente com Bedeuzinho fazendo a diferença, o Pelotas superou o Bahia por 3 a 2, em outro grande jogo na história Áureo-Cerúlea. 

Ida para o Internacional

Após sua vitoriosa passagem no Lobo, Bedeuzinho foi contratado pelo Sport Club Internacional de Porto Alegre, no final de 1961. Coincidentemente, na sua passagem pela capital, atuou ao lado de outro grande ídolo Áureo-Cerúleo, Flávio Minuano. Também no Internacional, fez grande duelo contra Garrincha, na semi final da Taça Brasil de 1962, frente o Botafogo. 

Após rápida passagem pelo Metropol em 1963, Bedeu acabou contratado pelo Colón Santa Fé, da Argentina, onde atuou no restante da temporada, antes de retornar ao Pelotas no final do mesmo ano. Já no inicio de 1964,  foi importantíssimo na conquista do Torneio da Morte, mantendo assim o seu time do coração na primeira divisão.

Antes do fim, uma passagem pela Rainha da Fronteira

Bedeu ainda atuou no Bagé em 1964, e no Guarany de Bagé no ano seguinte, mas já sem o mesmo destaque.

Grande jogador, e grande personagem

Quando abandonou a carreira profissional, Bedeuzinho permaneceu pelas redondezas da avenida, como se fosse uma peça dos móveis e utensílios. Um patrimônio do clube. Era uma figura fácil e carimbada no reduto Áureo-Cerúleo. Tinha sempre histórias pra contar. A vida lhe foi ingrata. Saiu dos gramados com a família meio desmanchada e as finanças abaladas.

Nem com tudo que passou, seu espírito perdeu a ginga e nem a malandragem que só os vestiários do futebol ensinam. Era um anedotário ambulante. Protagonizava a maioria das façanhas que contava. Tinha presença de espírito e tiradas incríveis. Não perdia uma.

Bedeu, Oscar e Jarí, em um dia de treino na Boca do Lobo.

 

Um dos contos mais hilários ocorreu em 2000.

Naquela temporada o Pelotas fazia uma campanha sofrível no Gauchão. Certo dia, a delegação juntamente com o elenco que jogaria à tarde em Santa Maria, contra o Internacional-SM, estava entrando no ônibus, com um dirigente organizando o embarque. Os atletas se encaminhavam, em fila indiana, para seus lugares. Bedeuzinho – que já era havia abandonado a carreira de jogador profissional a anos – furou a fila e foi se infiltrando. O dirigente deu-lhe um basta. Colocou-lhe a mão no peito e preveniu:

– Peraí, Bedeu, primeiro entram os que jogam.
– Ah é?!? Então desce todo mundo e só fico eu! – indignou-se Bedeuzinho.

Alguém perguntou:
– O que é que houve Bedeuzinho?

– O home aí disse que só entra quem joga…
– Tá certo, ele, Bedeu.
– Tá nada. Ali só tem cabeça-de-bagre. Se é por jogar bola mesmo, então eu vou sozinho nesse ônibus.

Bedeu viveu até o fim da vida no estádio, onde a direção, em retribuição ao muito que fizera pelo clube do coração, ofereceu-lhe permanentemente como morada o estádio mais antigo do país. Ari Amaro, portanto, nos dias de jogos, circulava o estádio com seu passo dançarino, envergando terno e gravata. Aliás, era do tempo em que se ia à padaria de terno e gravata. No fim da vida, já doente, andava pelas ruas da cidade falando consigo mesmo, tentando convencer-se de sua grandeza. Um autêntico e macilento herói chapliniano, conhecido dos botecos da cidade, principalmente no Bar Cruz de Malta e no Bar Boca do Lobo, na esquina da amarante, seu reduto. Sempre sorrindo, teimosamente elegante, espargia gasta e melancólica sobriedade a quem quer que fosse, conhecido ou desconhecido, falando das glórias de seu passado. Era de uma alegria infantil, ingênua. Um anjo caído, certamente, a peregrinar pela existência dura como o granito.

Ari Amaro Pires faleceu dia 20 de agosto de 2002, aos 67 anos, vítima de insuficiência cardíaca.

Ficha Técnica/Clubes

Pelotas – 1949 a 1952 na Base

Pelotas – 1952 a 1959

Floriano – 1959

Pelotas – 1959 a 1961

Internacional – 1962 e 1963

Metropol/SC – 1963

Colón Santa Fé/ARG – 1963

Pelotas – 1963 e 1964

Bagé – 1964

Guarany de Bagé – 1965

Riograndense-SM – 1966

 

Entre os títulos conquistados, se destacam:

  • 2 vezes Campeão do Interior Gaúcho – 1956 e 1960
  • 3 vezes Campeão Regional- 1956, 1958 e 1960
  • 4 vezes Campeão Citadino – 1956, 1957, 1958 e 1960
  • 1 vez Campeão da Copa dos Campeões Gaúchos – 1957

 

Histórico no clássico BraPel:

  • 18 vitórias
  • 9 empates
  • 10 derrotas

 

Campanhas em destaque

  • Terceiro colocado no Campeonato Brasileiro de 1962.
  • Destaque da invicta campanha no Festival do Cinquentenário de 1958.
  • Vice Campeão Gaúcho em 1956, 1960, 1962 e 1963.

Bedeu
Ari Amaro Pires
03/01/1935 a 20/08/2002   

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