Jornada sem herói

“Era uma vez”. Por tantas vezes, tais palavras foram o prenúncio de emocionantes aventuras que, transportadas das páginas dos livros, passavam a habitar nosso imaginário, numa fase em que sonho e realidade caminhavam de mãos dadas. Não raro, nessas lendas e estórias que nos eram transmitidas, quando obstáculos parecem intransponíveis, irrompe a figura de um herói, que num ato de bravura e galhardia é capaz de contrariar as probabilidades e devolver a esperança a quem lhe dava por perdida.

É bem verdade que, com o passar dos anos, ao passo que a realidade bate à porta, a definição de heroísmo é atualizada. Contudo, há nos fatos transcorridos em uma cancha de futebol e na aura mística que cerca tais acontecimentos a capacidade de reacender, no âmago do torcedor, o olhar lúdico de quem vê, naquele que defende suas cores, um herói em potencial. Era uma vez uma tarde alvissareira em que ninguém ousou candidatar-se a tal posto, tendo o confronto acirrado com o Santa Cruz findado com um indigesto 0x0.

O domínio das ações, como era de se esperar, foi do Lobo. Empurrado pela torcida, que novamente se fez presente em bom número, o time abusou do expediente das bolas cruzadas na área adversária e da velocidade do Papa-Léguas Jarro – dublê de herói no empate conquistado em Santa Maria. Frente a um adversário mais capacitado que os anteriores, o Pelotas padeceu por falta de ideias e de repertório. Não podendo contar com Itaqui – cuja falta foi muito sentida, e a quem coube o heroísmo de conduzir a bola ao fundo do barbante num desfecho agônico na primeira rodada – o toque de bola tornou a ser demasiadamente burocrático e, por vezes, enfadonho.

De quase-em-quase, com desperdício de chances incríveis (o que tem sido uma tônica), a produção ofensiva do Lobo foi minguando. Após a expulsão de Chico em confusão no 2° Tempo, a aridez criativa de nossas ações no campo adversário se acentuou de forma que o empate passou a ser questão de tempo. Com opções pouco animadoras no banco, Picoli fez o possível, embora as trocas tenham surtido pouco efeito.

Heróis são moldados no percurso, é verdade, e os momentos de maior tensão da competição em disputa – quando sua contribuição será, mais do que nunca, necessária – ainda estão por vir. Porém, para que estes “escolhidos” sejam capazes de cumprir sua sina vitoriosa, é necessário que seu entorno seja povoado de bons coadjuvantes, em equipes coesas que dão suporte à ascenção daqueles cujo destino é marcar o nome na história.

Teriam Sandro Sotilli e Tiago Duarte formado tão prolífica e lendária dupla não fossem os grandes times que lhes serviram e acompanharam?

Teriam Hugo Sanches, Giovane Gomez e Cleverson, sido capazes de conduzir uma virada apoteótica sobre o Esportivo em uma Boca do Lobo em chamas, não fosse a bravura de um Carlão Moraes, a constância de um Juliano Tatto, entre outros?

Honestamente, creio que não.

Tendo isso em mente, não será cedo para que estejamos, tão precocemente, necessitando de espasmos de heroísmo para vencer nossos jogos? E quando estes não ocorrerem, estará o coletivo à altura para construir vantagens e obter bons resultados nos futuros compromissos?

Ainda: teremos, em meio a esse plantel, figuras capazes de, na hora mais grave, no momento de maior necessidade, emular os feitos dos heróis do passado?

São perguntas cujas respostas virão à medida que a competição avança, e que devem variar de acordo com a maneira que o clube escolha enfrentar tais questionamentos. Minha opinião é que, enquanto estrutura coletiva, há muito o que evoluir. Além disso, vejo como mandatória a busca por reforços em algumas posições – sobretudo no meio campo e no ataque.

Não há razão para “terra arrasada”, porém, não podemos fechar os olhos diante das carências até o momento deflagradas. Só assim, buscando ativamente soluções aos problemas apresentados, poderemos escrever uma história vitoriosa nessa Divisão de Acesso, forjar novos heróis e alcançar um final feliz.

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