Um breve sonho de craques – a jogada perfeita!

Salve alcatéia!
O conto que segue abaixo é pra agradecer a todos craques que já passaram pelo gramado da Boca do Lobo, mas também a todos fanáticos que já estiveram na arquibancada:

Eu nunca soube de onde ele tirava aquilo tudo. Eu sei que um guri de 13 anos passa o dia na internet, lê muita coisa e vê muito site que não deve. Mas não conseguia entender de que lugar naquela cabeça saía aquele monte de informação – até porque, pelo tanto que ele come, eu achava que não sobrava mais espaço pra nada naquele corpo.
Desconfiava um bocado que era muita história que meu pai, um fanático dos mais obcecados, adorava contar pra ele desde a época em que ele não entendia nada. Mas numa dessas ele me disse que teve um sonho e precisava conversar comigo mais tarde. Pensei que tinha rodado na prova.
Era uma sexta-feira de calor e eu tinha tomado alguma coisa gelada. Ele jogava vídeo game e, de repente, depois de um pouco de silêncio, ele me chamou:

Tenho uma carta do vô pra ti.
Meu pai morreu no segundo semestre de 2018.
Quando vi, tinha nas mãos umas folhas de papel com muita coisa escrita numa letra horrível. Mas era do meu filho. De um guri nascido em 1997. E que eu achava que nem sabia escrever, só digitar. E me parecia que tinha coisa interessante ali. Olhei pra ele, que, com uma cara de sério, fez uma careta do tipo: “não vai pegar?”
Antes de começar, deixa eu dizer que meu pai era fanático mesmo, não tô brincando com vocês. Nome, posição, característica… Não esquecia nada. Mas gostava de futebol bem jogado. E de vencer. Entendia a derrota, mas daquele jeito…
Puxei a folha, olhei as outras. Uma primeira pincelada e comecei a não acreditar. Sentei melhor, tomei outro gole pra não deixar esquentar e comecei a ler:

“Oi Joãozinho, tudo bem? Antes de tu começar a não acreditar em mim ou no teu filho, deixa eu te dizer que ele é um guri dos bons, acredita nele. E como ele resolveu me ouvir, eu resolvi contar uma história que eu lembrei aqui. Ainda estou meio confuso com essa última grande mudança, algumas coisas parecem meio misturadas, meio embaralhadas – umas mais brilhantes, outras mais antigas. Tem aquelas que eu não te vejo comigo, mas tem outras que já tem até o Felipe junto.
O fato é que tudo se resume praticamente a uma única jogada, eu não sei te explicar direito. Mas acho que no final é legal, né?

Só sei que nessa memória tava um frio do caramba, aquele chuvisqueiro de lado, entrando na orelha, mas tava tudo certo porque a alma tava quentinha com a Boca do Lobo lotada. Era um momento decisivo, mas não sei exatamente qual… Não esquece que ainda tô meio confuso com algumas coisas. O time adversário era daqueles duros, que complicava com arbitragem, batia bastante, mas jogava bola.

Aí veio uma bola esticada na ponta esquerda e o atacante deles era rápido pra caramba, daqueles lisos. Por um segundo de aflição pensei que podia complicar e quase esqueci que naquele canto quem mandava era o Bruno. Aquele que marcou o Dener, sabe? Um carrinho firme, bem dado, e a bola foi jogada pra lateral, com tranquilidade. O Bruno era o Bruno e a grama só crescia ali porque ele deixava.

Lateral curtinho e uma bola rápida na área pro camisa 9 deles, que era um inferno. O Eduardo Pereira escorou o cara e, com aquele tamanho todo, só desviou a bola porque sabia que o João Miguel ia sair com ela dominada. Que zaga, João, que zaga! Classe, força, imposição… Saudade. O João Miguel dava sempre um tapa com o lado de fora do pé pro Paulo Ricardo. Esse aí sempre foi a alma do time, né? “Se o Paulo joga bem, o time joga bem”. Ouvi muito isso de quem jogou com ele. O Paulo Ricardo era classe pura, aquele futebol que vinha da alma mesmo. E ficava melhor tendo o Gavião do lado dele, vendo e orientando tudo. Um líder dos bons, esse Gavião!

Joãozinho, eu não sei porque, mas essa jogada é muito clara pra mim. O adversário deve ter achado que foi o contra-ataque mais rápido do campeonato. Pra mim foi uma poesia longa, demorada – e de se ler tomando um mate amargo numa manhã fria.

Lembra que ela caiu no pé do Gavião, né? Então, ele já sabia que a jogada era toda no maestro. Bota no camisa 10 que ele resolve. O Ademir jogava de terno, João. Lembra dele? Uma classe, um futebol… Ele tinha até um problema que nunca olhava pra bola. Cabeça em pé e um carinho com ela que poucas vezes vi. O Ademir dominou e na dominada tirou o volante chato deles pra bobo. Um tapa pro lado porque sabia que o Celso Guimarães tava passando voando. Era pequeno, mas rápido. O Celso passou voando, sim, como sempre. Foi no fundo e devolveu pro Ademir, que dominou ela na altura da gravata e sujou um pouco a camisa. Mas tudo bem, porque tomou um tranco por trás e veio a falta. Falta perfeita pro alemãozinho aquele bater”.

Peraí, gente, volta aqui pra mim – o tal Joãozinho da carta. Eu tenho 47 anos e o Felipe é meu filho mais novo. Só pra dizer pra vocês que eu tô na terceira cerveja gelada e um pouco dela se misturou com lágrima. Da mesma forma que eu não sabia onde era meu filho e onde era meu pai. Mas sabia que a falta era boa!

“João, o Rubens, aquele meu amigo que tinha mania de ficar na tela atrás do treinador adversário, me contou depois uma história desse jogo que nunca esqueci. Quando o Edenilso e o Ademir Alcântara ajeitaram a bola, ele gritou pro goleiro que o Ademir ia bater porque era a perna boa. Ele achava que o Edenilso não sabia bater de três dedos, João! Ele tava maluco!

O Edenilso ajeitou ela com carinho e eu saí um pouco pra trás porque o camarada na minha frente recém tinha voltado da Copa e aquele copo cheio de cerveja ia voar em mim no gol. O Edenilso correu e deu uma paulada cheia de efeito, mas o goleiro deles era bom, mas bom mesmo! Espalmou pra longe aquele tijolasso e o zagueiro espirrou pra mais longe ainda. Ela caiu no pé do Paulo Ricardo, que dominou e respirou fundo. O time adversário saiu em peso pra tentar contra-atacar. O Paulo deitou um pouco o corpo e, num tapa, meteu ela no pé do Tiago Duarte, que tinha ficado bem aberto na direita. O Tiago dominou e o lateral deles encostou. Mal sabia ele que era a jogada preferida. O Tiago ia virando, virando e, quando o cara tentava dar o bote, o Tiago dava uma caneta nele, de letra. Jogada linda! Correu pro fundo cortando mais um e cruzou sem olhar. Parecia que batia de qualquer jeito, sem nem ver o que fazia.

Mas, porra! Ia olhar pra que? Ele sabia aonde e pra quem a bola tinha que ir. Ele, eu, a Boca do Lobo e o camarada aquele com o copo cheio, que acabou na minha cabeça quando o Sotilli completou com toda a calma e tranquilidade do mundo fazendo 1 a 0. Eu nunca vi uma dupla com tanta sintonia. O Tiago metia pra dentro da área com qualidade, mas a bola tinha um imã pro Alemão só completar pra dentro do gol. Ah, que saudade! Saudade desses caras. Saudade do Eugênio também. Do Pablo, do Roger, Dias, Felipe Chaves. Do Pedrinho e do Maurinho. Michel Bastos, Toninho Costa e André Duarte. Dione, Sergio Perez e do Carlão Moraes também. Teve o Axel, lembra? Luis Carlos Gaúcho era craque! Branco, Jorge Mutt, Paulo Baier. Samuel, Flávio Minuano e o Flávio Dias. Xoxó e Gilmar. Bebeto e o gol do meio campo no Cruzeiro. Tanta gente boa, tanto craque que eu vi. Meu Deus, Joãozinho, que saudade de vocês! Que saudade!

Na verdade, tua mãe me cutucou agora. Disse que o Galego tava me chamando. Imagina, o Galego! Disse que ele e o Louruz ficaram furiosos que eu não lembrei do Gomes e do Juarez. “Goleiro não lembra, não?” Teve o Muralha, o Roger Kath e o Rafael Dal Ri…

Não esqueço de ninguém, João, só não vou conseguir escrever o nome de todo mundo aqui porque o Felipe quer voltar pro vídeo game. Mas manda um abraço pra eles.

Pelo menos agora a Maria me lembrou que aqui no céu todo jogo é ao vivo e de graça. Vou ver a FIEL a Força e a UPP. Vou ver os craques e ver vocês. E aí tudo bem!

Um beijo e um abraço.”

3 comentários

    • Marcelo em maio 19, 2020 às 9:38 pm
    • Responder

    Que show,faz o cara chorar

    • Toninho Costa em maio 20, 2020 às 1:40 am
    • Responder

    Do fundo do meu coração não tem como me emocionar, o amor ao futebol e principalmente só no glorioso Aureo Ceruleo, no sou Pelotense por nascimento e sim por adoção, que eu bom saber que sempre vai existir pessoas apaixonadas assim pelo futebol, em especial ao Pelotas, parabéns pelo o texto, me fez voltar no mínimo uns 30 anos a traz

    1. Grande Toninho, que baita honra saber que tu visita o Arquivo Lobão e ainda mais que gostou do texto que na verdade é uma homenagem! Te esperamos sempre por aqui! Obrigado!

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