Vitória Insossa

Bola recuperada pelo Pelotas no campo de defesa. É lançada para Gustavo Sapeka, que a recebe na intermediária ofensiva, e obstinado parte a galopes pelo lado do campo. Ao chegar às imediações da área adversária, modifica sua trajetória pela banda esquerda, enveredando em diagonal para a quina da área. De seus pés, parte um cruzamento preciso, que desenha no céu uma parábola perfeita e encontra o meneio furioso e letal da cabeça de Caíque, que honrando o legado da camisa 9 que enverga, executa um gesto técnico de manual para estufar as redes do Guarani, no tento que definiu o confronto da tarde deste domingo.

Pode lhe causar estranheza, caro leitor, que o relato da partida parta do gol da vitória, subvertendo a ordem cronológica dos fatos. Contudo, excepcionalmente, escolhi iniciar pelo clímax, por reconhecer que pouco se viu de agradável aos olhos nos 90 minutos transcorridos na Boca do Lobo, salvo o gol que nos garantiu mais três pontos na tabela, e assim oferecer àquele que se dedicar a ler estas linhas o prato principal logo de entrada, como recompensa pela tarefa hercúlea (e um tanto masoquista) de acompanhar esse time em mais uma paupérrima jornada.

O Pelotas foi de mais a menos. Picoli surpreendeu iniciando com Chico na função de meia armador, a qual o mesmo cumpriu com dignidade, embora lhe falte o cacoete de quem recebe a bola com a próxima ação pensada, comum aos frequentadores natos daquela faixa do campo. Com o retorno de Kanu, as torres gêmeas do Pelotas recebiam a companhia frequente de Igor Silva – melhor jogador do Lobo na competição – que “afundava” entre os zagueiros para garantir uma saída de bola mais qualificada. Com os pontas bem abertos, dando amplitude ao campo, o Pelotas agredia pelos lados, e se valeu desta mecânica nos primeiros 15 minutos do confronto, marcando o seu gol. Daí em diante, gentilmente concedeu ao Guarani o controle das ações e a posse da bola, a qual o adversário passou a manejar de forma indolente, até o fim do primeiro tempo.

Veio o segundo tempo, e com ele, um sol que irrompia tímidamente entre as nuvens, até vencê-las e reinar absoluto num fim de tarde dourado. No campo, em contrapartida, o cenário era cada vez mais nebuloso. À mercê dos veteranos Chiquinho e sobretudo Xaro – com quem o lateral Juninho certamente terá pesadelos essa noite -, o Pelotas se viu expectador das ações em sua própria cancha. Passivamente, o Lobo recuava suas linhas e via o adversário criar ocasiões de perigo, uma delas obrigando o goleiro Luiz Henrique – inquestionável titular na meta áureo-cerúlea – a operar difícil defesa. O Lobo abusava do expediente do chutão, que invariavelmente resultava em uma nova estocada do rival, instaurando um perigoso e enfadonho ciclo vicioso, que por pouco não culminou em dissabor. Em raro contra ataque, no qual as camisas amarelas eram maioria sobre as rubro-negras e o 2° gol parecia se desenhar, Jarro – que viveu tarde pouco inspirada – se enredou com a bola, negando aos torcedores presentes, que sofreram até o apito final, o suspiro aliviado da garantia dos 3 pontos – que tardou, mas não falhou. Nada de novo sob o sol, já que o sofrimento é próprio da cartilha do Pelotas, e se toma por garantido.

Há aqueles que dirão que o que importa mesmo é o resultado. De fato, não sou capaz de refutá-los, pois no momento a competição é de pontos corridos, e os três pontos foram fundamentais para seguir pisando nos calcanhares do Santa Cruz em busca da liderança, nosso principal objetivo, além da classificação – a essa altura, muito bem encaminhada. Entretanto, não é aconselhável que se postergue para a fase de mata-matas a evolução necessária no jogo da equipe, que é mandatória para que se possa sonhar com o acesso. Os olhares desconfiados e sorrisos hesitantes dos torcedores áureo-cerúleos – que nos últimos anos se acostumaram mais do que deveriam com essa competição – denotam uma verdade tácita: com essa bola, não vai dar. Felizmente, tal sensação parece ser compartilhada pela comissão técnica e direção, de acordo com o que se pôde ouvir nas coletivas pós-jogo, devendo incidir sobre o elenco de jogadores maior cobrança por desempenho.

O próximo confronto, contra o Santa Cruz, ganha contornos de final antecipada por reunir as duas melhores campanhas do grupo e dois fortes postulantes ao acesso. Será uma grande oportunidade para que esse elenco dê, enfim, uma resposta à altura da expectativa depositada, contra um rival de maior estatura. Que assim seja.

Se o belo gol que saciou o torcedor nessa jornada é parte de uma primeira fase que vem sendo um aperitivo pouco convincente, cresce a expectativa por um menu mais elaborado na sequência da competição, em que, diferente da crônica, não se escolhe pular etapas. A depender do que se apresente, sabemos: não se chega na sobremesa.

Em memória de David Coimbra – “Vox Audita Perit, Littera Scripta Manet”.

Foto: Lucas Canez

3 comentários

    • Jorge Gazalle Bueno em maio 30, 2022 às 10:43 pm
    • Responder

    Com certeza o Lobo faz nós torcedores, os sofredores

    • Listi Turino em maio 31, 2022 às 1:15 am
    • Responder

    Parabéns pois conseguistes escrever muito sobre algo que teve muito pouco: futebol. Foi de doer. Está é minha definição. Temos que melhorar. E muito. Deve ter sido difícil buscar inspiração.

    • Miguel Langone em junho 1, 2022 às 9:17 am
    • Responder

    Na décima rodada ainda sem jogar com a mesma equipe e sem padrão de jogo. Já era para o time estar voando e se entendendo.
    O que treinam a semana toda?
    Existe um espaço muito grande entre ataque e defesa….não aparece ninguém para receber a bola e armar alguma coisa…só jogada de profundidade.
    Assim não sobe…tem que melhorar a ligação.
    Há…o nosso site oficial do clube continua com “Deley”…

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